segunda-feira, 28 de maio de 2012

Prato do Dia: Peixe à la Contra a Maré

Outro dia li um artigo que explicava a diferença – não literal, claro - entre peixe vivo e peixe morto. Dizia o texto que peixe morto é aquele que é levado pelas ondas. Já o peixe vivo é aquele que nada contra a maré, ou seja, ele sobe as correntezas de um rio, luta com vontade, com garra. Não desiste nunca. Não faz corpo mole. Vai com fé. Fiquei me questionando quantas vezes já fui peixe morto e quantas vezes já fui peixe vivo.
Ser peixe morto é muito mais fácil. Você fica ali paradinho, esperando a onda te levar. De repente você se vê numa situação e nem sabe como chegou lá. Não importa. O importante é que você não pode ser responsabilizado por estar ali, naquela situação. Foi a vida, digo, a onda que te levou. A culpa não é sua. E, como não poderia ser diferente, você – peixe morto que é – se faz de vítima. Aponta os outros por estar vivenciando tudo aquilo.
Você já foi peixe morto alguma vez? Eu já. Fui peixe morto, por exemplo, quando - confesso - dediquei muitos anos da minha labuta vida a uma empresa que não visava o crescimento profissional de seus funcionários. Durante esse período não tinha consciência que estava sendo peixe morto. Não, não é verdade. Às vezes, eu até sabia. Mas os benefícios a curto prazo de ser peixe morto me pareciam convidativos para a época. Sem falar que a gana do peixe vivo, aquele que luta para enfrentar correntezas e mudar o rumo da nossa vida, infelizmente demorou para penetrar minha alma. E é incrível como esse espírito (de porco) de peixe morto abraça todos as outras ramificações da nossa vida. Você não pode, por exemplo,  ser peixe vivo no trabalho e ser peixe morto em casa. Uma vez peixe morto, peixe morto é! E aí você tem duas opções: ou afoga de vez esse peixe ou vira a mesa e tira esse peixe do coma!

Já fui peixe vivo também. Tirei meu peixe do coma várias vezes, mas para isso tive que engolir muita água salgada nadando contra a tal da maré. Fui peixe vivo quando dei um basta em relações que me faziam mal. Fui peixe vivo quando, sem dó, pedi demissão. Fui peixe vivo quando decidi vender tudo e mudar de país. Hoje, peixe vivo que sou, não desperdiço meu tempo nadando cachorrinho. Nado salmão, que é para atravessar a correnteza e ir em busca daquilo que me faz feliz.
Karin Silvestre

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Prato do dia: 14 horas de colapso na cozinha

Sempre ouvi dizer que a nossa vida é feita de fases. E a cada fase, uma nova adaptação. E sendo seres adaptáveis que somos, com o tempo tudo vai se encaixando novamente (tem que se encaixar!)



O difícil é quando duas ou três dessas tais fases acontecem simultaneamente. Mesmo quando estamos na chamada “fase boa”, é sempre complicado lidar com mais de uma mudança ao mesmo tempo.

No meu segundo post, prometi que iria escrever sobre como é a chegada de quem acabou de se mudar para outro país. Se eu tivesse que resumir em apenas uma frase, diria que é quando a grande maioria das mudanças mais importantes da sua vida acontece de uma só vez. A primeira coisa que devo dizer para quem quer se arriscar é: não é fácil. É claro que eu só posso relatar a minha experiência, mas pelo que passei, posso afirmar que não deve ser lá muito diferente de outras chegadas.

Quatorze horas separavam a minha cozinha do passado da minha cozinha do futuro. Foi como se de repente ela tivesse entrado num auto-colapso. O suposto promissor curso de nutrição passou de “saindo do forno”direto para o freezer. Meu lar-doce-lar evaporou rápido como a água borbulhante na chaleira no fogão. Meu carro parou de beber gasolina e começou a tomar chá de sumiço. E sumiu. Meu emprego passou demais do ponto, queimou e, junto com ele, meu salário e independência financeira. Nada de chorar o leite derramado. Cozinha do passado. Ciclo fechado.


Muita gente se muda para um outro país já o conhecendo. Não foi bem o meu caso. Explico. Morei em Toronto há alguns anos e, nessa época, conheci Montreal e Quebec, mas o destino me trouxe para Calgary. Durante a longa viagem (dois aviões, perfazendo um total de 14 horas), entre a estressante preocupação em manter minha gata bem e viva (sim, ela veio comigo e meu marido, mais precisamente dentro da caixinha de transporte, alternando-se entre o colo dele e o meu), consegui visualizar o que estava sentindo: como se uma venda tivesse sido colocada em meus olhos e que só seria retirada após a aterrissagem do avião (não existe blind-date? Então, eu vivi uma blind-trip...).

Descemos em um aeroporto de uma cidade completamente estranha para nós. E seria nessa cidade que iríamos iniciar a nossa jornada. Qual não foi a minha surpresa ao perceber que ao descer do avião, a tal da venda continuava lá! E lá está, isto é, ainda cobre parte da minha visão. Com o tempo fui percebendo que, na verdade, apenas um pedacinho da venda é levantado a cada dia, porque o descobrimento de se morar em um lugar desconhecido é diário. E infinito.

Instalados em um hotel, depois de um estresse básico (o hotel reservado dizia que aceitava pets, mas não especificava que eram só cachorros!), a primeira noite foi como se estivéssemos em férias. Essa sensação maravilhosa durou exatamente até... a manhã seguinte. Logo cedo fomos levados a iniciar a nossa nova vida aqui. Em apenas uma semana tínhamos aberto conta em banco, comprado celulares, carro, GPS, tirado o RG daqui e alugado um apartamento. Falando assim até parece que foi tudo fácil. Não, não foi. Não foi mesmo. Você vai comprar um carro, mas não pode porque não tem conta em banco. Você vai ao banco abrir a conta para poder comprar o carro, mas não pode porque não tem o RG daqui. Você vai tirar o tal do RG daqui para abrir a conta no banco para poder comprar o carro, mas não pode porque não tem endereço fixo. Arrrgh!!! Senti como se um furacão tivesse passado pela nossa vida e tivéssemos perdido tudo: eira, beira, lenço, documento... Começar do zero. Essa era a nossa missão agora.


Faço uma pausa para uma pequena lição que aprendi: só conseguimos realmente deixar para trás uma situação (seja ela qual for) em nossa vida, quando conseguimos - de verdade - fechar o ciclo dela. Não adianta fazer um semi-ciclo. Tem que ser inteiro. Redondo. Unir as duas extremidades. Se é fácil? Claro que não (fácil é comer brigadeiro!). Encerrar ciclos é importantíssimo, porque nos leva para adiante. É verdade que nos tira da zona de conforto, mas nos leva para o novo. Para o futuro!


E, por falar em futuro, eis que me deparo com a minha cozinha do futuro. Novo ciclo se inicia. Um leque de opções! Mas que fique claro que mudança não significa perda. Significa troca. Com todo o devido respeito ao pai dos burros, mas eu vou um pouquinho mais longe. Nesse caso específico significa ganho. Ganho de novos amigos, ganho de novas oportunidades, ganho de novas experiências. Trocamos sim, mas não perdemos nada. Só acrescentamos. A família? Família e amigos vão morar com a gente sempre. No melhor lugar da casa (não, não estou me referindo à cozinha dessa vez). Vão morar no  nosso coração. E em tempos de internet, a saudade está a apenas um clique de skype-email-facebook de distância.

Pode parecer piegas, não ligo, mas a verdade é que o que nos tínhamos (e temos!)- quando desembarcamos - era tudo o que precisávamos para iniciar a vida aqui: um ao outro (além da Polly, nossa gata, claro) e a vontade de morar fora do Brasil. Ah, e o emprego do meu marido também, porque nem pensar em viver só da brisa geladíssima do Canadá!
Karin Silvestre

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Prato do Dia: uma comidinha de mãe. No capricho!

Pastel. Pão de queijo. Brigadeiro. Feijoada. Macarrão de forno. Farofa de soja. Pudim de leite condensado. Sanduíche de pão de forma. Bolinho de bacalhau. Bolinho de arroz.
Feito por mãe e sogra com massa trazida do Brasil

Diferente do que se possa imaginar, aqui no Canadá, comemos quase (quase) tudo o que estamos acostumados a comer no Brasil. Basta comprar e fazer. Mas, quando você tem a sorte de receber a visita dos seus pais, como não “aproveitar-se” dessa situação? Não importa a idade que nossa mãe tenha ou a idade que nós temos, mãe é mãe e filho é filho. Para sempre. O eterno proteger e ser protegido. Mas mesmo sendo nossa mãe, lá no fundo, vem aquela sensação de culpa de deixá-la manusear o fogão para satisfazer um capricho nosso.
E quantas vezes não nos aproveitamos – com a melhor das intenções, sem querer prejudicar ninguém - de pessoas e de situações no nosso dia-a-dia só para satisfazer nossos caprichos?
Capricho é uma necessidade imediata. Dizem que se você conseguir segurar esse ímpeto por 24 horas, você terá 50% de chance a mais de mudar de opinião, isto é, desistir. Quer aquela blusa linda e caréssima que fica se exibindo na vitrine toda vez que você passa? Ela não sai da sua cabeça? Espere 24 horas. Se após um dia todo, ela ainda estiver martelando na sua cabeça, vá e compre. No entanto, na maioria das vezes, no dia seguinte, você nem se lembrará mais da calça. Opa, quero dizer, da blusa. Ou era saia? Você nem se lembra mais. Outro capricho já deve estar rondando sua cabeça.
Minha ex-sala branca no Brasil
Tive que lidar com meus caprichos assim que me instalei aqui. Coisas bobas... Mas qual capricho não é bobo?. Não ter um gaveteiro, não ter TV, não ter rádio-relógio, não ter internet. Abrir a mala e não encontrar aquele livro. Não ter mais nenhum dos vários objetos de decoração que levei anos para combiná-los em minha sala branca. Enfim, foi uma batalha. Se eu venci? Algumas vezes, mas a maioria perdi. Perdi, não porque consegui satisfazer meu capricho. Perdi quando me vi chateada, mal-humorada e, às vezes, até irritada por não alcançar imediatamente meu capricho-objetivo (ah, as sagradas 24 horas!).
Cada um de nós tem caprichos diários e, consequentemente, frustações diárias. Lidar com elas não é apenas uma questão de amadurecimento. É também uma questão de capacidade. Já ouviu a frase “Quer ser feliz ou ter razão?" Muitas vezes temos que engolir nosso capricho e seguir em fente (já engolimos tantos sapos, por que não adicionar mais esse ítem ao menu?). Sei de pessoas que já perderam o emprego simplesmente porque foram incapazes de engolir o capricho. O capricho de teimar em dizer que estão certas. Vai ficar defendendo sua idéia até quando? Até perder o emprego? Até fazer do seu amigo um inimigo? O que vale mais a pena? No calor da situação, provavelmente a escolha será pelo lutar-por-minha-idéia-até-morrer, mas espere 24 horas e, com certeza, você acordará com seu emprego e seu amigo.
Até agora só falei do lado colesterol ruim do capricho. Mas ele também tem o seu HDL: a satisfação. Se o seu capricho não for prejudicar nem você e nem ninguém, vá fundo. A TV, o rádio-relógio, a internet, eu consegui (as 24, 48, 72 horas se passaram e... não dá para viver sem a tecnologia, certo?). E a comida de mãe? O pastel, o macarrão, a farofa de soja e o pudim... hummm... Satisfação garantida de filha e a mãe de volta logo (assim espero). O gaveteiro? Bom, ele continua na minha lista de caprichos, afinal preciso trabalhar meu amadurecimento e nada melhor do que sempre ter uma listinha de frustações para lidar diariamente.
Karin Silvestre