domingo, 22 de abril de 2012

Prato do Dia: Hoje vou querer uma sopa fervendo e um hot chocolate extremamente quente. Posso aguardar lá na frente da lareira?

Morar em um lugar conhecido por só ter duas estações - julho (verão) e inverno -, é um aprendizado e tanto. Aprendi, por exemplo, que não é só o tempo - aquele que passa voando, faz os ponteiros do relógio andar em círculos e nos presenteia com experiências (e rugas!) -, que ensina. A (no caso, baixa) temperatura também tem lá suas lições...

Quando aqui cheguei, me supreendi com o gasto de energia das pessoas em falar sobre o tempo, afinal sou de um país em que o assunto “tempo” normalmente aparece quando acontece aquele conhecido silêncio-constrangedor em uma conversa de elevador.

A verdade é que essse meu pensamento durou uma estação. A do verão. Quando o inverno bateu na porta, eu entendi completamente a “fixação” dos canadenses nesse assunto. Além de ter que enfrentar temperaturas a -30C, é preciso lidar com a instabilidade do tempo. Um dia -25C, no outro -10C e no outro zero. Essas mudanças bruscas fazem com que você sempre tenha que estar preparado para o que der e vier (e o que vem geralmente é um vento congelante e neve, muita neve). Isso significa sempre sair de casa carregando um pesado casado, super luvas, gorro e botas apropriadas (afinal, dá-lhe neve!).
Eu sai do Brasil em pleno inverno e cheguei aqui no verão (particularmente, não vi diferença...). Difícil entender o desfile canadense de vestidos, bermudas, regatas e microssaias a uma temperatura de 16C. Hoje já entendo. O que são 16 graus para quem enfrentou menos 30? Nada mais são do que 46 graus a mais! Ou seja, verãozaço! Calor à beça!
Isso me fez lembrar de uma cena, há alguns anos, quando morei em Toronto, quando a filha da vizinha da minha homestay-mother, se divertia na piscininha no quintal. A garotinha tinha 3 anos. A temperatura era de 15C. Não, a água da piscina não era aquecida. Como disse, entendo esse comportamento, mas isso não faz com que ainda não me surpreenda ao ver pernas e braços à mostra, afinal, meu sangue brasileiro e friorento não me permite sair de casa sem minhas duas calças e um casaco reserva. A baixa temperatura me ensinou que preciso sempre estar preparada para tudo.

Muita gente acha a neve linda (inclusive eu, claro), mas não é fácil integrá-la ao cotidiano de um brasileiro. Andar na neve exige cuidados. Botas especiais são bem-vindas. Um delize e você vai para o chão. Vinte e quatro horas após a neve ter dado o ar congelante da graça, você é convidado pelo Governo a limpar a sua calçada. Se alguém escorregar bem ali na frente da sua porta, a linda neve branca vai virar um lindo pesadelo negro! A baixa temperatura me ensinou que preciso ter cuidado com o que belo se parece. A baixa temperatura também me ensinou que preciso sempre me colocar no lugar dos outros e que, muitas vezes, quem mais precisa de ajuda, está bem na nossa frente.

Sempre soube que no Canadá você só passa frio na rua. Um país de primeiro mundo completamente preparado para o frio. Todos os lugares tem aquecedores, a água da torneira desce quentinha e muitos carros têm até assento aquecido. Estamos completamente protegidos. Mas e para chegar até o carro? E após estacionar? E ao descer do ônibus? Fiz essas perguntas no verão e a resposta que obtive me fez rir: “Você corre!”. Ri no verão, porque no inverno, eu corri! A baixa temperatura me ensinou a não levar a vida tão a sério, a encontrar humor aonde não tem e que, às vezes, sem vergonha nenhuma, entender que a única saída é correr.

Um frio de -30C é algo inexplicável. Não importa a quantidade de roupas que você esteja vestindo. Não importa o quão térmica a etiqueta do seu casaco diz que ele é. É frio e pronto. A vontade que se tem é de ficar embaixo dos cobertores, hibernando. Colocar o alarme do celular para te acordar só no verão! Dizem que aqui, se você não sai no frio, você não sai. Ou seja, a vida não pára só porque está “friozinho”. O trabalho está lá te esperando. As crianças continuam tendo que levantar cedo e ir para a escola. As menorzinhas continuam brincando no playground, no meio da neve. Você continua tendo que ir ao supermercado, colocar gasolina no carro e ir ao casamento da sua amiga. A baixa temperatura me ensinou que, por mais que a gente queira, a vida não pára quando a gente quer e o que parece um grande obstáculo, na verdade, é só um punhado de água no estado sólido.
Aqui, como em qualquer outro lugar do mundo, as obrigações não podem ser adiadas e nem tão pouco a sua vida. Então, o jeito é vestir aquele super casaco, calçar as super botinas e proteger as orelhas. Porque, seja lá qual for a previsão do “homem do tempo”, a vida acontece lá fora. E acontece agora, a 30 graus positivos ou negativos. (Isso foi a baixa temperatura que me ensinou!)
Karin Silvestre


quarta-feira, 4 de abril de 2012

Prato do dia: qualquer coisa, desde que seja servida no prato, num restaurante discreto e sem máquina fotográfica por perto!



Hoje tive uma apresentação na escola (sim, voltei para a sala de aula. Para alcançar qualquer objetivo em outro país, você, no mínimo, tem que dominar perfeitamente o idioma). Minha tarefa era liderar uma discussão. Para isso, deveria escolher um (ou quantos fossem necessários) vídeo(s), mostrar para a sala, explicar o porquê da minha escolha e instigar os alunos a discutirem sobre o meu tema. E eu no comando.
Pesquisando no Dr. Google, meu amigo de todas as horas e meu irmão inseparável, encontrei uma matéria que descrevia como a atriz americana, Alicia Silverstone, alimenta seu filho. Pesquisando mais, descobri um vídeo, no qual ela aparece mastigando a comida e colocando-a diretamente dentro da boca da criança. Pesquisando mais ainda, descobri que ela mesma postou esse vídeo em seu blog. Prato cheio. Era exatamente isso que eu iria apresentar na sala. E assim fiz.
A apresentação foi boa. Levantei dois pontos para serem discutidos: o comportamento da atriz ao alimentar o filho e o fato de estarmos perdendo nossos limites ao nos expor tanto. Preciso dizer que duas pessoas, dentre 10, não viram problema algum no modo como ela alimentou a criança. Um estudante é da Mongólia e o outro, da Coréia. Questão cultural. Assunto resolvido.
Mas, na verdade, o que chamou mais atenção foi, não o porquê ela teve essa atitude, mas o porquê ela publicou esse vídeo. Seria vontade de aparecer nos noticiários? Ensinar outras mães uma nova forma de alimentar seus filhos? Postou sem achar que causaria tanta discussão? Não sei. Não cheguei e nem chegamos a nenhuma conclusão sobre isso.
O fato é que um pedaço íntimo da vida dela, do dia-a-dia dela com o filho está e estará exposto para sempre. Horrorizado(a)? Não fique. É muito provável que você ou alguém que você conheça já se expôs de uma forma ou de outra por meio de redes de relacionamento ou do youtube, por exemplo.
De uns tempos para cá, tenho lido (e visto) tantas coisas bizarras no Facebook. Já li gente comentando que a filha grávida tinha acabado de perder o bebê. Alguns dias depois, postou que estava chegando do enterro. Outra pessoa - cujo pai tinha acabado de falecer (acabado literalmente) - agradecia a força e as mensangens de condolências que estavam publicando na página do pai dela. Detalhe: pedia desculpas por não ter respondido as mensagens antes, mas o fazia agora, no carro, voltando para casa, depois do velório. Ah?????
Têm aqueles também que expõe a sua vida, sem a sua autorização. De repente, na sua página, um "parabéns pelos seus 40 anos". Justo para você, que nem divulgou o ano do seu nascimento no seu perfil! E as fotos e vídeos? Medo! Gente fazendo (ou achando que está fazendo) pose sexy antes de ir para uma festa à fantasia, gente expondo os filhos, fazendo os cantar, dançar ou falar inglês. Pra quê? Pra quêêê?
Quando que a nossa fantasia se tornou mais importante que a nossa realidade? Tenho visto muita gente invertendo a ordem natural das coisas. Aceita passeios para ir, por exemplo, só pensando nas fotos que vai poder publicar depois. Vive uma realidade-fantasiosa para mostrar para os 357 amigos da sua rede de relacionamentos, o quão divertida, bonita, maravilhosa é a sua vida. Não seria carência? Selecionamos - sim, inclusive eu, claro - cuidadosamente as fotos que vamos postar. Afinal, segundos depois de publicá-las, temos que estar preparados para lidar com o baixo número de "curtir" (o que significa que você não alcançou sucesso na rede) e para os comentários, nem sempre agradáveis que vamos ler.
Sinto que a cada dia, estamos mais íntimos um dos outros. Porém, é uma intimidade não-íntima. Estou a par, por exemplo, de várias situações de colegas meus da época de escola. Sei com quem casaram (não conheço o noivo e nem fui ao casamento), sei quantos filhos têm (nunca os vi), sei o que comeram no Natal e os brinquedos que ganharam (não passei a ceia com eles), sei que estão com dificuldade em vender o carro (não li isso num anúncio), sei quem viajou, para aonde foi e como foi a viagem. Basta uma descidinha na barra lateral do computador na página do Face e pronto! Fico sabendo em alguns minutos sobre a vida de gente que nem conheço! É tanta informação, que a vida do outro começa a ter um sentido banal para nós.
Na minha página do face, atualmente, tenho 238 amigos. Ok, não é muito se compararmos com perfis que têm 600, 1000, 2000 amigos. Mas vamos pensar. 238 pessoas. Não é pouca gente. Agora analisemos. Desde que mudei para o Canadá, posso contar nos dedos (não vou alcançar 10), quantos "amigos" realmente se dispuseram a saber sobre a minha nova vida aqui. Desprezo? Inveja? Não, nada disso. Simplesmente essas 238 pessoas também têm seus 238 amigos para administrar. Ah, sim, porque hoje em dia a gente tem que administrar amigos. Não é fácil. Não há tempo suficiente. Não dá para "curtir" as fotos de todos, comentar suas publicações, postar na sua própria página e ainda se preocupar em escrever um e-mail perguntando sobre como vai a vida de fulano ou sicrano. Mesmo porque, nem faria sentido fazer isso, uma vez que hoje, sua vida é aquela que você publica!
Karin Silvestre