Quando aqui cheguei, me supreendi com o gasto de energia das pessoas em
falar sobre o tempo, afinal sou de um país em que o assunto “tempo” normalmente
aparece quando acontece aquele conhecido silêncio-constrangedor em uma conversa
de elevador.
A verdade é que essse meu
pensamento durou uma estação. A do verão. Quando o inverno bateu na porta, eu
entendi completamente a “fixação” dos canadenses nesse assunto. Além de ter que
enfrentar temperaturas a -30C, é preciso lidar com a instabilidade do tempo. Um
dia -25C, no outro -10C e no outro zero. Essas mudanças bruscas fazem com que
você sempre tenha que estar preparado para o que der e vier (e o que vem
geralmente é um vento congelante e neve, muita neve). Isso significa sempre
sair de casa carregando um pesado casado, super luvas, gorro e botas
apropriadas (afinal, dá-lhe neve!).
Eu sai do Brasil em pleno inverno e cheguei aqui no verão
(particularmente, não vi diferença...). Difícil entender o desfile canadense de
vestidos, bermudas, regatas e microssaias a uma temperatura de 16C. Hoje já
entendo. O que são 16 graus para quem enfrentou menos 30? Nada mais são do que
46 graus a mais! Ou seja, verãozaço! Calor à beça!
Isso me fez lembrar de uma cena, há alguns anos, quando morei em Toronto,
quando a filha da vizinha da minha homestay-mother, se divertia na piscininha no
quintal. A garotinha tinha 3 anos. A temperatura era de 15C. Não, a água da
piscina não era aquecida. Como disse, entendo esse comportamento, mas isso não
faz com que ainda não me surpreenda ao ver pernas e braços à mostra, afinal,
meu sangue brasileiro e friorento não me permite sair de casa sem minhas duas
calças e um casaco reserva. A baixa temperatura me ensinou que preciso sempre
estar preparada para tudo.
Muita gente acha a neve linda (inclusive eu, claro), mas não é fácil
integrá-la ao cotidiano de um brasileiro. Andar na neve exige cuidados. Botas
especiais são bem-vindas. Um delize e você vai para o chão. Vinte e quatro
horas após a neve ter dado o ar congelante da graça, você é convidado pelo
Governo a limpar a sua calçada. Se alguém escorregar bem ali na frente da sua
porta, a linda neve branca vai virar um lindo pesadelo negro! A baixa
temperatura me ensinou que preciso ter cuidado com o que belo se parece. A
baixa temperatura também me ensinou que preciso sempre me colocar no lugar dos
outros e que, muitas vezes, quem mais precisa de ajuda, está bem na nossa frente.
Sempre soube que no Canadá
você só passa frio na rua. Um país de primeiro mundo completamente preparado
para o frio. Todos os lugares tem aquecedores, a água da torneira desce
quentinha e muitos carros têm até assento aquecido. Estamos completamente
protegidos. Mas e para chegar até o carro? E após estacionar? E ao descer do
ônibus? Fiz essas perguntas no verão e a resposta que obtive me fez rir: “Você
corre!”. Ri no verão, porque no inverno, eu corri! A baixa temperatura me
ensinou a não levar a vida tão a sério, a encontrar humor aonde não tem e que, às vezes, sem vergonha nenhuma, entender que a única saída é correr.
Um frio de -30C é algo
inexplicável. Não importa a quantidade de roupas que você esteja vestindo. Não
importa o quão térmica a etiqueta do seu casaco diz que ele é. É frio e pronto.
A vontade que se tem é de ficar embaixo dos cobertores, hibernando. Colocar o
alarme do celular para te acordar só no verão! Dizem que aqui, se você não sai
no frio, você não sai. Ou seja, a vida não pára só porque está “friozinho”. O
trabalho está lá te esperando. As crianças continuam tendo que levantar cedo e
ir para a escola. As menorzinhas continuam brincando no playground, no meio da
neve. Você continua tendo que ir ao supermercado, colocar gasolina no carro e
ir ao casamento da sua amiga. A baixa temperatura me ensinou que, por mais que
a gente queira, a vida não pára quando a gente quer e o que parece um grande
obstáculo, na verdade, é só um punhado de água no estado sólido.
Aqui, como em qualquer
outro lugar do mundo, as obrigações não podem ser adiadas e nem tão pouco a sua
vida. Então, o jeito é vestir aquele super casaco, calçar as super botinas e
proteger as orelhas. Porque, seja lá qual for a previsão do “homem do tempo”, a
vida acontece lá fora. E acontece agora, a 30 graus positivos ou negativos. (Isso
foi a baixa temperatura que me ensinou!)
Karin Silvestre