quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Prato do Dia: Porque eu VOLTEI para o Facebook


Há mais ou menos duas  semanas me deu o tal dos “cinco minutos”, mais conhecido como faniquito (alguém já tinha escrito essa palavra antes?). É verdade que acordei irritada e assim foi o dia todo. Lá pelas tantas (já era madrugada) resolvi dar um basta na mútua-invasão-de-privacidade-da-vida-alheia, mais conhecido como Facebook (sim, aqui estou eu falando nele de novo!). Decidi que não dava mais e... pedi para sair. Simples assim. Até pensei em escrever aqui no blog sobre os motivos que me levaram a sair do Face, mas o que aconteceu depois foi algo tão surpreendente que decidi contar também os motivos que me levaram a voltar.

Nessa não declarada competição de quem tem mais amigos, tenho certeza que muitos dos meus “amigos” nem notaram a minha saída e só estão sabendo disso agora. Mas sim, eu – por alguns poucos dias, é verdade – consegui sim sair do Face e confesso: me senti vitoriosa, afinal, meus caros não assumidos-viciados em Face, apertar a tecla tcháu e colocar um basta na relação com seus trocentos amigos, com todas aquelas fotos de lugares maravilhosos, todas aquelas fotos de família perfeita de comercial de TV, suas lindas frases de efeito (de autores dos quais nem lemos uma obra sequer) e virar as costas para as todas as opiniões (sempre) formadas de todos, não é das tarefas mais fáceis. Mas eu consegui e garanto: foi libertador.



Por alguns dias pude desfrutar da antiga paz que me permitia viver apenas na (e não “a”) realidade,  porque – convenhamos – o Face é bem surreal! Criamos em nossas páginas uma vida diferente daquela do nosso dia-a-dia. Eu não viajo todo final de semana, não estou rindo durante 24 horas por dia, minha gata nem sempre está linda, branca e saudável e nem de longe ando produzida como mostra algumas de minhas fotos. Mas o Face não foi feito para mostrarmos a nossa real-realidade. Ele - pelo contrário - é o “brinquedinho” que usamos para nos distanciarmos cada vez mais dela e sermos “livres” para brincar de sermos quem realmente não somos. Mas quem já não se perdeu nessa brincadeira que atire a primeira pedra. Eu já. Me perdi acreditando que aquilo que eu estava vendo era real. Já dei risada acreditando, mas também já chorei acreditando. E pior: perdi muito tempo nessa brincadeira.
 

Então, no dia do faniquito, cansada de invadir a vida dos outros e de me deixar ser invadida, dei um ponto final nessa relação. O que eu queria, o que eu buscava era voltar a ter uma relação verdadeira (real mesmo) com pessoas que fazem parte e diferença na minha vida. Pessoas com as quais eu pudesse ter uma relação sem ter que digitar um login e uma senha.

Como eu disse antes, algo supreendente aconteceu após a minha saída. Recebi alguns emails de pessoas que me questionavam o porquê eu havia saído do Facebook. Fiquei surpresa, confusa e, confesso, até um pouco irritada. Precisava dar satisfação do porquê eu havia saído do Facebook?!? Que loucura! A que ponto chegamos! Após o susto, parei para refletir e cheguei a conclusão de que quando lá entrei recebi vários “Seja bem-vinda”, afinal eu estava entrando no universo paralelo de cada um e, muito mal educada que fui, acabei saindo sem me despedir. Então, aproveito a oportunidade para – virtualmente falando – pedir desculpas pela minha nada honrosa atitute.

Confesso que se ainda estivesse morando no Brasil, teria me desconectado para sempre do meu mundo virtual, porque a verdade é que eu não consigo mais achar tanta graça em ficar vendo fotos, curtindo, comentando, postando e fuçando a vida alheia. Mas morando aqui, tão longe da família, sair do Face foi fechar a porta para aqueles com quem eu não mantenho outro tipo de contato, nem por email, nem por Skype e nem por telefone. Para endossar a minha volta, cito como exemplo meu pai, que no auge dos seus 47 anos (como ele costuma brincar), entrou no Facebook por minha causa, para ver minhas fotos, fazer parte da minha vida (mesmo que não tão real assim). Da Espanha, tenho tios queridos que me acompanham pela rede. Da Grécia, uma prima que, assim como eu, não teve medo de mudar o destino. Do Brasil, meus pais, minhas irmãs, sobrinhos, família toda e amigos. Como não deixá-los participar dessa minha atual gelada loucura de ter vindo morar no Canadá? Não, não. Não vou mais poupá-los de sentir junto comigo esse frio todo daqui!

Karin Silvestre

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Prato do Dia: O que dura para sempre?



Como eu escrevi em outro post, a vida é feita de fases. Temos que colocar na cabeça de uma vez por todas que nós não “somos”. Nós “estamos”. Se compreendermos isso e, principalmente, incorporamos isso, a vida ficaria, sem dúvida, tão mais simples, tão mais leve, tão mais gostosa de ser vivida.
 
 
Vou exemplificar. Se eu penso, por exemplo, que sou uma pessoa sem sorte, vou ficar deprimida e achar que tudo vai dar errado mesmo e que nem adianta lutar, afinal sou sem sorte mesmo. Agora, se eu simplesmente me utilizar do verbo-amigo “estar”, vou pensar que estou sem sorte nesse momento, mas vejo possibilidades num futuro próximo. E tudo muda!


Seguindo nessa linha, não vou dizer, por exemplo, que estou desempregada. Vou dizer que estou curtindo o verão (bem melhor, hein?). Bom, então, já que incorporei que no momento estou curtindo o verão, tenho passado uma parte dos meus ensolarados (e tão amados, salve, salve) dias lendo para melhorar meu inglês (descobri que isso será o máximo que vou conseguir... melhorar. Porque falar como os nativos, só nascendo em país de língua materna inglesa! Bom, falo por mim, claro).

 
Estou me sentindo naquela famosa fase pré-vestibular. Aquela em que os candidatos lêem até bula de remédio. Enfim, lendo um livrinho (aquele que você termina de uma tacada só), me deparei com uma frase que me fez conseguir (tentar) mudar a minha (nossa, talvez?) tendência para o negativismo. Ei-la: What three words make you sad when you´re happy and happy when you´re sad? The answer is Nothing lasts forever”. Tradução: Qual as três (no caso da língua portuguesa, quatro) palavras que faz você ficar triste quando você está feliz e feliz quando você está triste? A resposta é Nada dura para sempre”.
 
Eu sei. Isso é óbvio. Não é óbvio? Mas o óbvio surpreende. Clarice Lispector nos brindou com a frase “O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar”. Anonimamente alguém escreveu “O óbvio só é óbvio para os olhos preparados”. Aquela frase do livrinho saltou aos meus olhos como se estivesse grafada com caneta-amarelão-marca-texto. Nada dura para sempre. Coisas boas ou coisas ruins: nada dura para sempre. Na fase boa, aproveite. Na fase ruim, espere. Porque nada dura para sempre.

Karin Silvestre

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Prato do Dia: Supermercado de Conhecimento


Meu marido, meu incentivador
No post anterior descrevi a sensação de como foi a última vez que eu fiz algo pela primeira vez. Contei como eu criei coragem e comprei – pela primeira vez - minha própria bicicleta. Nesse post, a ideia era escrever a parte 2 dessa história. Caberia aqui relatar que a compra da bicicleta ficou agora para a penúltima vez, já que recentemente me aventurei na minha última vez que fiz algo pela primeira vez: jogar tênis! (marido esportista é isso que dá!rs). Resumidamente o que posso dizer até agora sobre “estar” tenista é: cansa, dói o braço, mas é divertido. Arrisco-me até a fazer uma pequena comparação entre Sharopava e eu: a minha sainha é mais bonita!rs.


Mas assim como quando estou pedalando por aí, sempre mudo o percurso, resolvi também mudar o caminho desse post. Virei uma direita aqui, uma esquerda ali, segui em frente e... lá estava ela! Aliás, ela foi a razão pela qual comprei a bicicleta. Ela é de tamanha importância para mim, que resolvi elegê-la o tema desse post. “Ela”é uma das 18 bibliotecas espalhadas por Calgary, cidade localizada na costa oeste do Canadá e onde resido atualmente.



A maior biblioteca fica no centro e a segunda maior fica... perto da minha casa! A apenas uma bicicleta de distância. A primeira vez que lá estive, me encantei com a estrutura física. Os vidros enormes por toda a sua extensão permitem uma visão praticamente panorâmica do quarteirão que a comporta. Permite, inclusive, ver a enorme quantidade de carros parados no estacionamento dela. Não importa o dia, não importa a hora, a biblioteca está sempre lotada.


Não pense que seus maiores usuários são pessoas mais maduras que preferem sentir o “aroma” do papel de jornal a clicar num link. Os frequentadores pertencem a todas as faixas etárias. Há também os frequentadores-mirins, aqueles que mesmo não sabendo ler, já se familiarizam no mundo da leitura participando das atividades (diárias!) junto aos monitores-voluntários, que lêem livrinhos, contam historinhas e colocam musiquinha. Tudo num ambiente colorido e aconchegante. (Isso sim é que pode se chamar de “preparar o leitor do futuro”...)

Na parte central da biblioteca há uma linda lareira cercada por vários sofás e poltronas. São nelas, aliás, que eu dispensava algumas horinhas folheando revistas. Só esperando para interagir com mais estrangeiros, que – assim como eu - buscavam por meio de um curso oferecido e ministrado na própria biblioteca, um aprofundamento no inglês. Isso acontecia uma vez por semana, por duas horas, com direito até a cafezinho. Sem custos.
Além dos livros tradicionalmente dispostos nas estantes, lá pode-se pegar emprestados DVDs (com o fechamento da Blockbuster, o número de filmes e documentários aumentou consideravelmente na biblioteca), CDs, audio-livros, livros em MP3 e revistas. É possível levar para casa até 99 ítens de uma só vez! Para isso, basta fazer uma carteirinha. Essa, na verdade, é um cartão-magnético que permite também que se acesse a internet de qualquer computador disponível todas as bibliotecas. Mas nada impede de se levar o próprio notebook e buscar inspiração sentando-se em uma das mesas de frente para um dos janelões. Esse cartão também dá acesso ao portal da Biblioteca na internet e é por lá que eu renovo todos os materiais emprestados.

Uma outra particularidade é que nessa biblioteca, o som da sua voz, definitivamente não é um pecado mortal. Ninguém fala baixinho, ninguém cochicha  e ninguém pede “shssssss”. Quem quer silêncio, deve dirigir-se à Sala do Silêncio (nada mais óbvio! Para que complicar?). E como ler e estudar exige concentração, nada mais apropriado do que ingerir uma cafeína básica, disfarçada num saboroso cappuccino na máquina de cafés.


Já abastecida e pronta para voltar para casa na minha bike, confesso que mesmo depois de tantas idas a esse colosso da informação, ainda me flagro observando extasiada as pessoas circulando com cestas (essas de fazer compras mesmo) pelos corredores da biblioteca. As crianças seguem os adultos e vão ajudando-os  a encher a cestinha. É um verdadeiro supermercado de conhecimento!


Na saída, é preciso fazer o check-out  no computador. Para isso, para alcançar o balcão, as crianças - já muito acostumadas com o ambiente - sobem tranquilamente num dos vários banquinhos coloridos disponíveis. Hora de partir. Coloco meu capacete e sigo meu caminho refletindo... Banquinhos que auxiliam a elevar as alturas físicas delas, mas banquinhos também que servem para deixar bem claro de que lugar de criança é também na Biblioteca. E é assim que se dá o pontapé inicial em busca da conquista do título de “país de primeiro mundo.”

Karin Silvestre  

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?

Quem entrava na sala da minha casa no Brasil se deparava com um adesivo colado na parede com a seguinte frase “Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?”. Eu queria que meus convidados parassem para refletir... Mas a frase acabou se tornando, na verdade, um desafio para mim. Queria chegar em casa no final do dia, olhar para a pergunta e poder responder: Hoje! É claro que a rotina não me permitia responder “Hoje” todos os dias, mas só de sair de casa com essa questão na cabeça, já ajudava a me esforçar durante o dia para tentar alcançar o tal do “Hoje” quando chegasse em casa.
Construir uma nova vida em outro país é responder “Hoje” até mais de uma vez por dia. Todo dia se faz algo diferente. Todo dia se vai a algum lugar diferente. Todo dia se conversa com alguém pela primeira vez. Com o passar do tempo e a vida se estabilizando, isto é, com uma rotina se criando a minha volta, responder “Hoje” foi ficando mais difícil, mas mesmo assim, tento manter esse desafio como uma das minhas prioridades diárias.


A primeira bicicleta a gente nunca esquece
Sem querer, ou melhor, sem pensar na frase, acabei – aqui - fazendo algo pela primeira vez, que – acredito – vale a pena dividir com os leitores desse blog. No auge da minha idade (ah, por favor, não me pergunte esse detalhe! Sem falar que seria indelicado da sua parte...rs), não só comprei pela primeira vez, como agora tenho – pela primeira vez – a minha própria bicicleta! Com a proximidade do verão, achei que seria uma boa aquisição. Não, não foi boa. Na verdade foi uma excelente aquisição!
Para uma pessoa que aprendeu a andar de bicicleta na bike do primo nas ruas largas e calmas da Praia Grande (SP) de antigamente, seria sem dúvida um grande desafio subir em uma bicicleta depois de tantos anos. Mas para minha surpresa, o meu desafio se limitou em lidar com os motoristas e aceitar que aqui, o pedestre (ou o ciclista) é rei, ou rainha, no meu caso.
Uma mãozinha na ladeira...
seria tão bom!
Aqui, não ouse parar a sua bicicleta em uma esquina para se decidir em qual caminho seguir. Fiz isso e todos os quatro carros vindos de todas as direções pararam automaticamente. Tive que me decidir rápido e seguir. Bom, para quem fica sem fôlego só de usar um enxaguatório bucal, subir uma ladeira pedalando é algo inimaginavelmente cansativo. Após a tal da ladeira, alcancei a outra esquina, avistei um carro que estava dando seta e que iria virar na rua em que eu estava. 

Gesticulei para que ele seguisse (eu queria descansar um pouquinho... Já estava naquela fase de empurrar a bicicleta), mas ele fez sinal para que eu seguisse. Tentei mais uma vez e fiz o gesto de “por favor, pode passar o senhor”. Negativo. O motorista insistia em ficar ali parado me esperando atravessar. Ok. Desisti de insistir por dois motivos: um, eu estava tão cansada que não tinha condições de entrar em uma competição “de quem é mais gentil”. Dois, eu perderia o duelo. Afinal, enquanto pedestre sou uma rainha, lembram? Respirei fundo para resgatar meu último estoque de energia, coloquei a coroa na cabeça e atravessei a rua.
Eu na minha bike em Calgary
Quando comprei a bicicleta (linda, pretinha básica e com cestinha!) eu não fazia idéia de que após cada passeio, sempre voltaria para casa com a resposta “Hoje!” para a minha questão da parede. HOJE desci uma rua bem íngreme sem qualquer medo. HOJE soube lidar com os motoristas que me elegeram rainha sem ficar irritada (quem diria que isso irritaria alguém?). HOJE já consegui deixar a bicicleta me conduzir (leia-se: apertei menos o breque). HOJE entendi o que significa sentir a liberdade em forma de vento. HOJE, HOJE, HOJE...

Enquanto o calor permitir, seguirei com meus pequenos passeios de bicicleta, afinal eles estão me ajudando a fazer todos os dias algo pela primeira vez. Quando o outono chegar e o seu inseparável amigo-ventinho-super-gelado dobrar a esquina (mal educado que é, nem pára para a gente atravessar!), sei que o destino da minha bike por um longo período vai ser o depósito da garagem. Sei que lá vão ficar guardadas minhas “últimas vezes que eu fiz algo pela primeira vez”... Últimas vezes que fiz algo com a bicicleta, porque ali mesmo numa caixinha estão os meus patins de neve, prontinhos para mais “últimas vezes que eu fiz algo pela primeira vez”!
E você?
Quando foi a última vez que fez algo pela primeira vez?
Karin Silvestre


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Prato do Dia: pipocas pulando livres na panela

        (Quando comecei a cozinhar esse blog, o fogão aquecia minhas pipocas que, com o calor, passavam a saltitar soltas em uma panela sem tampa. Hoje senti um cheiro de queimado. Ao checar, me deparei com uma tampa enorme cobrindo toda a panela que, além de abafar, impedia minhas ideias, digo, pipocas, de voarem livres pela cozinha)



Preciso fazer uma confissão. A ideia de fazer um blog era para meu puro e egoísmo uso. Mistake. Biiiiiig mistake. Qualquer um sabe a lei básica da escrita: a gente não escreve para nós e sim para os outros. Bom, mesmo assim, polianamente segui com meu projetinho de usá-lo para desabafar, para escrever o que penso sobre as coisas, para refletir... Escrever sem preocupação. Ser livre e espontânea com as palavras e comigo mesma. De certa forma, estava funcionando. Até agora.

Oitavo post e aqui estou eu super preocupada com as palavras, com o tema, com o texto, com tudo! Aonde foi parar minha liberdade, minha espontaneidade, meu infantil pensamento “o blog é meu e escrevo o que eu quero!”? Eles se foram quando comecei a receber retorno pelo que escrevo, quando comecei a criar vínculos com meus leitores. E aí, me dei conta de que eu não era tão livre assim para escrever o que bem quisesse. Essa "descoberta", ao mesmo tempo que me faz agora escrever mais conscientemente, acabou sufocando um pouco a liberdade da minha escrita; liberdade essa, que eu acreditava que o meu próprio blog iria me proporcionar.

Pensando além-blog, me dei conta de que a gente nunca é realmente livre. Colocou os pés para fora da cama de manhã e já dá para sentir a vibração da cobrança. Ou é a gente se cobrando ou são os outros cobrando a gente. Estamos sempre na busca por querer sermos melhores (isso quando não queremos ser “os” melhores). Mas o que vem junto com esse pacotinho chamado cobrança? Bom, além - claro - da falta de liberdade; estresse, preocupação, ansiedade, desapontamento e por aí vai.

Isso me fez lembrar um episódio da minha vida que ilustra bem essa minha (falta de) liberdade. Por muitos anos, todas as vezes em que eu saia de férias, bolinhas vermelhas, mais conhecidas como alergia, tomavam conta do meu corpo todo. O jeito era ficar em casa esperando a nada esperada volta ao trabalho. Um dia, no divã, esse assunto acabou entrando na pauta. Com a ajuda da psicanálise, descobri que minha alergia era a expressão da minha angústia em não saber lidar com o tempo livre. Bonitas palavras para uma feia conclusão: eu não sabia ser livre!

Isso me chocou, claro. Como assim, não sei ser livre? Claro que eu sei, oras! Well, após algumas-várias-muitas sessões depois, entendi que a gente só é livre mesmo dentro da nossa cacholinha. Lá, o espaço é seu e você tem total liberdade para pensar o que bem quiser (sem regras e sem cobranças!). Mas como nada é assim tão fácil, para que isso aconteça, nós temos que nos permitir sermos livres, isto é, permitir que essa liberdade interna flua naturalmente.

O que quero ressalatar é que, na verdade, na maioria da vezes, somos nós mesmos que nos cobramos tanto. E é essa cobrança toda que nos impede de ser livres. Eu tenho uma catraca dentro da minha cabeça que não deixa escapar nada! Ela fica lá, de plantão, só esperando uma nova situação acontecer para me apresentar a conta.

Atualmente tenho passado internamente por várias cobranças. Exemplifico uma delas: quando estava trabalhando, eu tinha mil idéias do que faria se tivesse meu dia todo para mim. Pedido desejado, pedido realizado. Hoje tenho todo o meu dia só para mim e o que faço? Passo o dia me cobrando por não estar trabalhando!

É uma cobrança sem fim! Mães que trabalham se cobram por passarem pouco tempo com os filhos. Vendedores se cobram por não alcançarem suas metas. Jornalistas se cobram por não terem escrito o texto perfeito. Estudantes se cobram por não terem tirado uma nota boa. Advogados se cobram por não terem ganhado a causa. Aaaargh! Alguém tem que tirar a tampa dessa panela!

Ou não. Talvez essa cobrança interna seja mesmo necessária. Talvez seja exatamente por meio dessa pressão que consigamos chegar mais perto do nosso ideal. Talvez ela seja a faixa da linha de chegada, o limite pelo qual precisemos ultrapassar. Talvez basta acrescentar um pouco mais de milho na panela e tampa nenhuma impedirá nossas pipocas de voarem livres pela cozinha (de novo!). E que venha a liberdade sem preocupação!
Karin Silvestre

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Prato do Dia: Peixe à la Contra a Maré

Outro dia li um artigo que explicava a diferença – não literal, claro - entre peixe vivo e peixe morto. Dizia o texto que peixe morto é aquele que é levado pelas ondas. Já o peixe vivo é aquele que nada contra a maré, ou seja, ele sobe as correntezas de um rio, luta com vontade, com garra. Não desiste nunca. Não faz corpo mole. Vai com fé. Fiquei me questionando quantas vezes já fui peixe morto e quantas vezes já fui peixe vivo.
Ser peixe morto é muito mais fácil. Você fica ali paradinho, esperando a onda te levar. De repente você se vê numa situação e nem sabe como chegou lá. Não importa. O importante é que você não pode ser responsabilizado por estar ali, naquela situação. Foi a vida, digo, a onda que te levou. A culpa não é sua. E, como não poderia ser diferente, você – peixe morto que é – se faz de vítima. Aponta os outros por estar vivenciando tudo aquilo.
Você já foi peixe morto alguma vez? Eu já. Fui peixe morto, por exemplo, quando - confesso - dediquei muitos anos da minha labuta vida a uma empresa que não visava o crescimento profissional de seus funcionários. Durante esse período não tinha consciência que estava sendo peixe morto. Não, não é verdade. Às vezes, eu até sabia. Mas os benefícios a curto prazo de ser peixe morto me pareciam convidativos para a época. Sem falar que a gana do peixe vivo, aquele que luta para enfrentar correntezas e mudar o rumo da nossa vida, infelizmente demorou para penetrar minha alma. E é incrível como esse espírito (de porco) de peixe morto abraça todos as outras ramificações da nossa vida. Você não pode, por exemplo,  ser peixe vivo no trabalho e ser peixe morto em casa. Uma vez peixe morto, peixe morto é! E aí você tem duas opções: ou afoga de vez esse peixe ou vira a mesa e tira esse peixe do coma!

Já fui peixe vivo também. Tirei meu peixe do coma várias vezes, mas para isso tive que engolir muita água salgada nadando contra a tal da maré. Fui peixe vivo quando dei um basta em relações que me faziam mal. Fui peixe vivo quando, sem dó, pedi demissão. Fui peixe vivo quando decidi vender tudo e mudar de país. Hoje, peixe vivo que sou, não desperdiço meu tempo nadando cachorrinho. Nado salmão, que é para atravessar a correnteza e ir em busca daquilo que me faz feliz.
Karin Silvestre

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Prato do dia: 14 horas de colapso na cozinha

Sempre ouvi dizer que a nossa vida é feita de fases. E a cada fase, uma nova adaptação. E sendo seres adaptáveis que somos, com o tempo tudo vai se encaixando novamente (tem que se encaixar!)



O difícil é quando duas ou três dessas tais fases acontecem simultaneamente. Mesmo quando estamos na chamada “fase boa”, é sempre complicado lidar com mais de uma mudança ao mesmo tempo.

No meu segundo post, prometi que iria escrever sobre como é a chegada de quem acabou de se mudar para outro país. Se eu tivesse que resumir em apenas uma frase, diria que é quando a grande maioria das mudanças mais importantes da sua vida acontece de uma só vez. A primeira coisa que devo dizer para quem quer se arriscar é: não é fácil. É claro que eu só posso relatar a minha experiência, mas pelo que passei, posso afirmar que não deve ser lá muito diferente de outras chegadas.

Quatorze horas separavam a minha cozinha do passado da minha cozinha do futuro. Foi como se de repente ela tivesse entrado num auto-colapso. O suposto promissor curso de nutrição passou de “saindo do forno”direto para o freezer. Meu lar-doce-lar evaporou rápido como a água borbulhante na chaleira no fogão. Meu carro parou de beber gasolina e começou a tomar chá de sumiço. E sumiu. Meu emprego passou demais do ponto, queimou e, junto com ele, meu salário e independência financeira. Nada de chorar o leite derramado. Cozinha do passado. Ciclo fechado.


Muita gente se muda para um outro país já o conhecendo. Não foi bem o meu caso. Explico. Morei em Toronto há alguns anos e, nessa época, conheci Montreal e Quebec, mas o destino me trouxe para Calgary. Durante a longa viagem (dois aviões, perfazendo um total de 14 horas), entre a estressante preocupação em manter minha gata bem e viva (sim, ela veio comigo e meu marido, mais precisamente dentro da caixinha de transporte, alternando-se entre o colo dele e o meu), consegui visualizar o que estava sentindo: como se uma venda tivesse sido colocada em meus olhos e que só seria retirada após a aterrissagem do avião (não existe blind-date? Então, eu vivi uma blind-trip...).

Descemos em um aeroporto de uma cidade completamente estranha para nós. E seria nessa cidade que iríamos iniciar a nossa jornada. Qual não foi a minha surpresa ao perceber que ao descer do avião, a tal da venda continuava lá! E lá está, isto é, ainda cobre parte da minha visão. Com o tempo fui percebendo que, na verdade, apenas um pedacinho da venda é levantado a cada dia, porque o descobrimento de se morar em um lugar desconhecido é diário. E infinito.

Instalados em um hotel, depois de um estresse básico (o hotel reservado dizia que aceitava pets, mas não especificava que eram só cachorros!), a primeira noite foi como se estivéssemos em férias. Essa sensação maravilhosa durou exatamente até... a manhã seguinte. Logo cedo fomos levados a iniciar a nossa nova vida aqui. Em apenas uma semana tínhamos aberto conta em banco, comprado celulares, carro, GPS, tirado o RG daqui e alugado um apartamento. Falando assim até parece que foi tudo fácil. Não, não foi. Não foi mesmo. Você vai comprar um carro, mas não pode porque não tem conta em banco. Você vai ao banco abrir a conta para poder comprar o carro, mas não pode porque não tem o RG daqui. Você vai tirar o tal do RG daqui para abrir a conta no banco para poder comprar o carro, mas não pode porque não tem endereço fixo. Arrrgh!!! Senti como se um furacão tivesse passado pela nossa vida e tivéssemos perdido tudo: eira, beira, lenço, documento... Começar do zero. Essa era a nossa missão agora.


Faço uma pausa para uma pequena lição que aprendi: só conseguimos realmente deixar para trás uma situação (seja ela qual for) em nossa vida, quando conseguimos - de verdade - fechar o ciclo dela. Não adianta fazer um semi-ciclo. Tem que ser inteiro. Redondo. Unir as duas extremidades. Se é fácil? Claro que não (fácil é comer brigadeiro!). Encerrar ciclos é importantíssimo, porque nos leva para adiante. É verdade que nos tira da zona de conforto, mas nos leva para o novo. Para o futuro!


E, por falar em futuro, eis que me deparo com a minha cozinha do futuro. Novo ciclo se inicia. Um leque de opções! Mas que fique claro que mudança não significa perda. Significa troca. Com todo o devido respeito ao pai dos burros, mas eu vou um pouquinho mais longe. Nesse caso específico significa ganho. Ganho de novos amigos, ganho de novas oportunidades, ganho de novas experiências. Trocamos sim, mas não perdemos nada. Só acrescentamos. A família? Família e amigos vão morar com a gente sempre. No melhor lugar da casa (não, não estou me referindo à cozinha dessa vez). Vão morar no  nosso coração. E em tempos de internet, a saudade está a apenas um clique de skype-email-facebook de distância.

Pode parecer piegas, não ligo, mas a verdade é que o que nos tínhamos (e temos!)- quando desembarcamos - era tudo o que precisávamos para iniciar a vida aqui: um ao outro (além da Polly, nossa gata, claro) e a vontade de morar fora do Brasil. Ah, e o emprego do meu marido também, porque nem pensar em viver só da brisa geladíssima do Canadá!
Karin Silvestre

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Prato do Dia: uma comidinha de mãe. No capricho!

Pastel. Pão de queijo. Brigadeiro. Feijoada. Macarrão de forno. Farofa de soja. Pudim de leite condensado. Sanduíche de pão de forma. Bolinho de bacalhau. Bolinho de arroz.
Feito por mãe e sogra com massa trazida do Brasil

Diferente do que se possa imaginar, aqui no Canadá, comemos quase (quase) tudo o que estamos acostumados a comer no Brasil. Basta comprar e fazer. Mas, quando você tem a sorte de receber a visita dos seus pais, como não “aproveitar-se” dessa situação? Não importa a idade que nossa mãe tenha ou a idade que nós temos, mãe é mãe e filho é filho. Para sempre. O eterno proteger e ser protegido. Mas mesmo sendo nossa mãe, lá no fundo, vem aquela sensação de culpa de deixá-la manusear o fogão para satisfazer um capricho nosso.
E quantas vezes não nos aproveitamos – com a melhor das intenções, sem querer prejudicar ninguém - de pessoas e de situações no nosso dia-a-dia só para satisfazer nossos caprichos?
Capricho é uma necessidade imediata. Dizem que se você conseguir segurar esse ímpeto por 24 horas, você terá 50% de chance a mais de mudar de opinião, isto é, desistir. Quer aquela blusa linda e caréssima que fica se exibindo na vitrine toda vez que você passa? Ela não sai da sua cabeça? Espere 24 horas. Se após um dia todo, ela ainda estiver martelando na sua cabeça, vá e compre. No entanto, na maioria das vezes, no dia seguinte, você nem se lembrará mais da calça. Opa, quero dizer, da blusa. Ou era saia? Você nem se lembra mais. Outro capricho já deve estar rondando sua cabeça.
Minha ex-sala branca no Brasil
Tive que lidar com meus caprichos assim que me instalei aqui. Coisas bobas... Mas qual capricho não é bobo?. Não ter um gaveteiro, não ter TV, não ter rádio-relógio, não ter internet. Abrir a mala e não encontrar aquele livro. Não ter mais nenhum dos vários objetos de decoração que levei anos para combiná-los em minha sala branca. Enfim, foi uma batalha. Se eu venci? Algumas vezes, mas a maioria perdi. Perdi, não porque consegui satisfazer meu capricho. Perdi quando me vi chateada, mal-humorada e, às vezes, até irritada por não alcançar imediatamente meu capricho-objetivo (ah, as sagradas 24 horas!).
Cada um de nós tem caprichos diários e, consequentemente, frustações diárias. Lidar com elas não é apenas uma questão de amadurecimento. É também uma questão de capacidade. Já ouviu a frase “Quer ser feliz ou ter razão?" Muitas vezes temos que engolir nosso capricho e seguir em fente (já engolimos tantos sapos, por que não adicionar mais esse ítem ao menu?). Sei de pessoas que já perderam o emprego simplesmente porque foram incapazes de engolir o capricho. O capricho de teimar em dizer que estão certas. Vai ficar defendendo sua idéia até quando? Até perder o emprego? Até fazer do seu amigo um inimigo? O que vale mais a pena? No calor da situação, provavelmente a escolha será pelo lutar-por-minha-idéia-até-morrer, mas espere 24 horas e, com certeza, você acordará com seu emprego e seu amigo.
Até agora só falei do lado colesterol ruim do capricho. Mas ele também tem o seu HDL: a satisfação. Se o seu capricho não for prejudicar nem você e nem ninguém, vá fundo. A TV, o rádio-relógio, a internet, eu consegui (as 24, 48, 72 horas se passaram e... não dá para viver sem a tecnologia, certo?). E a comida de mãe? O pastel, o macarrão, a farofa de soja e o pudim... hummm... Satisfação garantida de filha e a mãe de volta logo (assim espero). O gaveteiro? Bom, ele continua na minha lista de caprichos, afinal preciso trabalhar meu amadurecimento e nada melhor do que sempre ter uma listinha de frustações para lidar diariamente.
Karin Silvestre









domingo, 22 de abril de 2012

Prato do Dia: Hoje vou querer uma sopa fervendo e um hot chocolate extremamente quente. Posso aguardar lá na frente da lareira?

Morar em um lugar conhecido por só ter duas estações - julho (verão) e inverno -, é um aprendizado e tanto. Aprendi, por exemplo, que não é só o tempo - aquele que passa voando, faz os ponteiros do relógio andar em círculos e nos presenteia com experiências (e rugas!) -, que ensina. A (no caso, baixa) temperatura também tem lá suas lições...

Quando aqui cheguei, me supreendi com o gasto de energia das pessoas em falar sobre o tempo, afinal sou de um país em que o assunto “tempo” normalmente aparece quando acontece aquele conhecido silêncio-constrangedor em uma conversa de elevador.

A verdade é que essse meu pensamento durou uma estação. A do verão. Quando o inverno bateu na porta, eu entendi completamente a “fixação” dos canadenses nesse assunto. Além de ter que enfrentar temperaturas a -30C, é preciso lidar com a instabilidade do tempo. Um dia -25C, no outro -10C e no outro zero. Essas mudanças bruscas fazem com que você sempre tenha que estar preparado para o que der e vier (e o que vem geralmente é um vento congelante e neve, muita neve). Isso significa sempre sair de casa carregando um pesado casado, super luvas, gorro e botas apropriadas (afinal, dá-lhe neve!).
Eu sai do Brasil em pleno inverno e cheguei aqui no verão (particularmente, não vi diferença...). Difícil entender o desfile canadense de vestidos, bermudas, regatas e microssaias a uma temperatura de 16C. Hoje já entendo. O que são 16 graus para quem enfrentou menos 30? Nada mais são do que 46 graus a mais! Ou seja, verãozaço! Calor à beça!
Isso me fez lembrar de uma cena, há alguns anos, quando morei em Toronto, quando a filha da vizinha da minha homestay-mother, se divertia na piscininha no quintal. A garotinha tinha 3 anos. A temperatura era de 15C. Não, a água da piscina não era aquecida. Como disse, entendo esse comportamento, mas isso não faz com que ainda não me surpreenda ao ver pernas e braços à mostra, afinal, meu sangue brasileiro e friorento não me permite sair de casa sem minhas duas calças e um casaco reserva. A baixa temperatura me ensinou que preciso sempre estar preparada para tudo.

Muita gente acha a neve linda (inclusive eu, claro), mas não é fácil integrá-la ao cotidiano de um brasileiro. Andar na neve exige cuidados. Botas especiais são bem-vindas. Um delize e você vai para o chão. Vinte e quatro horas após a neve ter dado o ar congelante da graça, você é convidado pelo Governo a limpar a sua calçada. Se alguém escorregar bem ali na frente da sua porta, a linda neve branca vai virar um lindo pesadelo negro! A baixa temperatura me ensinou que preciso ter cuidado com o que belo se parece. A baixa temperatura também me ensinou que preciso sempre me colocar no lugar dos outros e que, muitas vezes, quem mais precisa de ajuda, está bem na nossa frente.

Sempre soube que no Canadá você só passa frio na rua. Um país de primeiro mundo completamente preparado para o frio. Todos os lugares tem aquecedores, a água da torneira desce quentinha e muitos carros têm até assento aquecido. Estamos completamente protegidos. Mas e para chegar até o carro? E após estacionar? E ao descer do ônibus? Fiz essas perguntas no verão e a resposta que obtive me fez rir: “Você corre!”. Ri no verão, porque no inverno, eu corri! A baixa temperatura me ensinou a não levar a vida tão a sério, a encontrar humor aonde não tem e que, às vezes, sem vergonha nenhuma, entender que a única saída é correr.

Um frio de -30C é algo inexplicável. Não importa a quantidade de roupas que você esteja vestindo. Não importa o quão térmica a etiqueta do seu casaco diz que ele é. É frio e pronto. A vontade que se tem é de ficar embaixo dos cobertores, hibernando. Colocar o alarme do celular para te acordar só no verão! Dizem que aqui, se você não sai no frio, você não sai. Ou seja, a vida não pára só porque está “friozinho”. O trabalho está lá te esperando. As crianças continuam tendo que levantar cedo e ir para a escola. As menorzinhas continuam brincando no playground, no meio da neve. Você continua tendo que ir ao supermercado, colocar gasolina no carro e ir ao casamento da sua amiga. A baixa temperatura me ensinou que, por mais que a gente queira, a vida não pára quando a gente quer e o que parece um grande obstáculo, na verdade, é só um punhado de água no estado sólido.
Aqui, como em qualquer outro lugar do mundo, as obrigações não podem ser adiadas e nem tão pouco a sua vida. Então, o jeito é vestir aquele super casaco, calçar as super botinas e proteger as orelhas. Porque, seja lá qual for a previsão do “homem do tempo”, a vida acontece lá fora. E acontece agora, a 30 graus positivos ou negativos. (Isso foi a baixa temperatura que me ensinou!)
Karin Silvestre


quarta-feira, 4 de abril de 2012

Prato do dia: qualquer coisa, desde que seja servida no prato, num restaurante discreto e sem máquina fotográfica por perto!



Hoje tive uma apresentação na escola (sim, voltei para a sala de aula. Para alcançar qualquer objetivo em outro país, você, no mínimo, tem que dominar perfeitamente o idioma). Minha tarefa era liderar uma discussão. Para isso, deveria escolher um (ou quantos fossem necessários) vídeo(s), mostrar para a sala, explicar o porquê da minha escolha e instigar os alunos a discutirem sobre o meu tema. E eu no comando.
Pesquisando no Dr. Google, meu amigo de todas as horas e meu irmão inseparável, encontrei uma matéria que descrevia como a atriz americana, Alicia Silverstone, alimenta seu filho. Pesquisando mais, descobri um vídeo, no qual ela aparece mastigando a comida e colocando-a diretamente dentro da boca da criança. Pesquisando mais ainda, descobri que ela mesma postou esse vídeo em seu blog. Prato cheio. Era exatamente isso que eu iria apresentar na sala. E assim fiz.
A apresentação foi boa. Levantei dois pontos para serem discutidos: o comportamento da atriz ao alimentar o filho e o fato de estarmos perdendo nossos limites ao nos expor tanto. Preciso dizer que duas pessoas, dentre 10, não viram problema algum no modo como ela alimentou a criança. Um estudante é da Mongólia e o outro, da Coréia. Questão cultural. Assunto resolvido.
Mas, na verdade, o que chamou mais atenção foi, não o porquê ela teve essa atitude, mas o porquê ela publicou esse vídeo. Seria vontade de aparecer nos noticiários? Ensinar outras mães uma nova forma de alimentar seus filhos? Postou sem achar que causaria tanta discussão? Não sei. Não cheguei e nem chegamos a nenhuma conclusão sobre isso.
O fato é que um pedaço íntimo da vida dela, do dia-a-dia dela com o filho está e estará exposto para sempre. Horrorizado(a)? Não fique. É muito provável que você ou alguém que você conheça já se expôs de uma forma ou de outra por meio de redes de relacionamento ou do youtube, por exemplo.
De uns tempos para cá, tenho lido (e visto) tantas coisas bizarras no Facebook. Já li gente comentando que a filha grávida tinha acabado de perder o bebê. Alguns dias depois, postou que estava chegando do enterro. Outra pessoa - cujo pai tinha acabado de falecer (acabado literalmente) - agradecia a força e as mensangens de condolências que estavam publicando na página do pai dela. Detalhe: pedia desculpas por não ter respondido as mensagens antes, mas o fazia agora, no carro, voltando para casa, depois do velório. Ah?????
Têm aqueles também que expõe a sua vida, sem a sua autorização. De repente, na sua página, um "parabéns pelos seus 40 anos". Justo para você, que nem divulgou o ano do seu nascimento no seu perfil! E as fotos e vídeos? Medo! Gente fazendo (ou achando que está fazendo) pose sexy antes de ir para uma festa à fantasia, gente expondo os filhos, fazendo os cantar, dançar ou falar inglês. Pra quê? Pra quêêê?
Quando que a nossa fantasia se tornou mais importante que a nossa realidade? Tenho visto muita gente invertendo a ordem natural das coisas. Aceita passeios para ir, por exemplo, só pensando nas fotos que vai poder publicar depois. Vive uma realidade-fantasiosa para mostrar para os 357 amigos da sua rede de relacionamentos, o quão divertida, bonita, maravilhosa é a sua vida. Não seria carência? Selecionamos - sim, inclusive eu, claro - cuidadosamente as fotos que vamos postar. Afinal, segundos depois de publicá-las, temos que estar preparados para lidar com o baixo número de "curtir" (o que significa que você não alcançou sucesso na rede) e para os comentários, nem sempre agradáveis que vamos ler.
Sinto que a cada dia, estamos mais íntimos um dos outros. Porém, é uma intimidade não-íntima. Estou a par, por exemplo, de várias situações de colegas meus da época de escola. Sei com quem casaram (não conheço o noivo e nem fui ao casamento), sei quantos filhos têm (nunca os vi), sei o que comeram no Natal e os brinquedos que ganharam (não passei a ceia com eles), sei que estão com dificuldade em vender o carro (não li isso num anúncio), sei quem viajou, para aonde foi e como foi a viagem. Basta uma descidinha na barra lateral do computador na página do Face e pronto! Fico sabendo em alguns minutos sobre a vida de gente que nem conheço! É tanta informação, que a vida do outro começa a ter um sentido banal para nós.
Na minha página do face, atualmente, tenho 238 amigos. Ok, não é muito se compararmos com perfis que têm 600, 1000, 2000 amigos. Mas vamos pensar. 238 pessoas. Não é pouca gente. Agora analisemos. Desde que mudei para o Canadá, posso contar nos dedos (não vou alcançar 10), quantos "amigos" realmente se dispuseram a saber sobre a minha nova vida aqui. Desprezo? Inveja? Não, nada disso. Simplesmente essas 238 pessoas também têm seus 238 amigos para administrar. Ah, sim, porque hoje em dia a gente tem que administrar amigos. Não é fácil. Não há tempo suficiente. Não dá para "curtir" as fotos de todos, comentar suas publicações, postar na sua própria página e ainda se preocupar em escrever um e-mail perguntando sobre como vai a vida de fulano ou sicrano. Mesmo porque, nem faria sentido fazer isso, uma vez que hoje, sua vida é aquela que você publica!
Karin Silvestre